terça-feira, 9 de junho de 2009

Releituras

"Há mulheres que querem que o seu homem seja o Sol. O meu quero-o nuvem. Há mulheres que falam na voz do seu homem. O meu que seja calado e eu, nele, guarde meus silêncios. Para que ele seja a minha voz quando Deus me pedir contas. No resto, quero que tenha medo e me deixe ser mulher. Que ele seja homem em breves doses. Que exista em marés, no ciclo das águas e dos ventos. (...).
Quando ele me dirigiu palavra, nesse primeiríssimo dia, dei conta de que, até então, nunca eu tinha falado com ninguém. O que havia feito era comerciar palavra, em negoceio de sentimentos. Falar é outra coisa, é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes, suspensos sobre o abismo. Falar é outra coisa, vos digo. Dessa vez, com esse homem, na palavra eu me divinizei. Lembro desse encontro (...). Como se aquele momento fosse, afinal, toda a minha vida (...). Era uma tarde boa para gente existir. O mundo cheirava a casa. O ar por ali parava. A brisa sem voar, quase nidificava. Vez e voz, os olhos e os olhares. Ele, em minha frente, todo chegado como se a sua única viagem tivesse sido para a minha vida".

Mia Couto, "O fio das missangas"

(ln)

4 comentários:

Inês disse...

Oh, que lindinho... I mean, que super pitufo. Mesmo :)

Joana Neto disse...

Mesmo muito pitufo.

rita disse...

bonito mesmo!

Francisco disse...

epá, vou acrescentar um "mesmo" para dar ênfase. :)