sábado, 2 de agosto de 2008

Platónov

Ontem à noite enchi-me de coragem e fui ver Platónov, ainda bem lembrada da desilusão que foi não conseguir ver a Dúvida e o Turismo Infinito - uma por falta de bilhetes, a outra por falta de pontualidade (britânica). O TNSJ tem esta coisa de dar desgostos às pessoas. E ontem ia ficando à porta outra vez.

Parece-me inevitável que uma peça de 4 horas corra o risco de se tornar ou cansativa, ou enfadonha, ou repetitiva ou desinteressante - ou tudo junto. Antes de entrar na sala, passaram-me pela cabeça dois finais possíveis para a minha visita ao S.João: sair de lá a levitar, como me acontece sempre que vejo um bom filme, um bom concerto, uma boa peça,..., ou dar graças a Deus por ter
acabado. Como diria a LN, coisas de juventude estas dos extremos! É claro que há quase sempre um meio termo, e Platónov personifica precisamente o meio termo entre uma peça 'tudo junto' e uma peça capaz de nos deixar levitantes, como eu acabaria por descobrir 4horas depois.

A qualidade dos actores é já tão inquestionável que m
al serve como argumento a favor da peça na minha lista mental. O TNSJ habitua-nos mal. Eles são 16 e são realmente bons. Lembram-se da nossa querida peça, do nosso pequeno manicómio..? Pois bem, não imaginam o quanto ele me pareceu pequeno e são quando comparado com Platónov. Afinal até somos mais ou menos normais. 16 pessoas em palco, tantas vezes a falar ao mesmo tempo e bem alto - insanidade total. Eu já estava a ficar louca com tanta confusão, às tantas só me apetecia ser eu a pegar na pistola do Platónov e disparar, para ver se alguém punha um ponto final naquele rebuliço doentio. Interpretações incríveis.




A encenação, a cenografia, os movimentos, a luz, os figurinos e a música - a música! - são irrepreensíveis. Havia sempre alguém a tocar piano ou guitarra, baixinho. E bem. Quando havia movimentações na boca de cena, o resto do palco parava, mas de uma maneira linda. Era como se, com uma simples paragem, num carregar no botão off, num desligar a tomada da ficha, se formasse um quadro cheio de movimento. Uma das vantagens da peça ter 4 horas é precisamente haver tempo e vontade de desligar dos diálogos para reparar em certos pormenores que, numa peça mais curta, passariam, provavelmente, bastante mais despercebidos.

O problema da peça é a peça em si. Embora consiga arrancar algumas gargalhadas e tenha pormenores absolutamente brilhantes - e menos não se esperaria de Tchékhov - acaba por ser muito cansativa. Acho que é ponto assente que é cansativa! Agora, aquilo que a torna assim, essa opinião já diverge, com certeza, de pessoa para pessoa. A mim cansaram-me as repetições (ainda que propositadas) e o arrastar de um argumento que não tem 'sumo' para a duração que lhe foi dada. Para mim não tem, mas para outros terá até de sobra e outros outros verão nela um perfeito equilíbrio e consistência.

Ficam aqui duas coisas importantes que saíram da peça comigo - e estas não pecam por falta de 'sumo'. Uma já batida, mas cada vez mais verdadeira, e que me parece ser a principal ideia subjacente à mensagem de Platónov: A infelicidade de uns é a felicidade de outros. Outra que faz pensar - esta em especial para a Margarida, em honra das nossas intermináveis conversas sobre o assunto... assim que ouvi a frase apercebi-me que ela era a síntese perfeita para aquele que foi o problema que mais questões existenciais despertou em nós e que foi mote para longas horas de palavrar durante o ano que passou. O quão difícil e contraditório é 'ser jovem e não ser idealista' ;)

Espero que estejam todos somewhere de férias - vou sabendo de uns, de outros não sei nada - porque são merecidas. Não desfazendo, o Porto em Agosto é um paraíso. Amanhã, Herbie Hancock no Palácio...grátis. Adoro estes investimentos megalómanos na cultura, que não podemos sequer classificar como elitistas - quem à partida não gosta de Jazz (ou não conhece, ou não aprecia por aí além) não perde nada (excepto tempo) em ir experimentar.

Boas férias!

PS - Post número 100!

4 comentários:

MJ disse...

Gostei muito do texto :)

Obrigada pela companhia, foi cansativo, em certos momentos, de 4horas não seria de esperar outra coisa. Mas sabe bem tanta genialidade, tanta perfeição nos pormenores. Badmington em palco...inédito ;)

Beijinhos

João Esteves disse...

Planotov está bem, muito bem explicada como sua experiência de espectadora, o que da peça vai em você. Li com gosto. Gosto por se tratar de autora jovem (e não idealista, como deve ser difícil!) mas que bem maneja a linguagem e tem preocupações culturais meritórias, ama o drama como arte, enfim, foi uma montoeira de boas impressões que seu post me passou. Justificou longe a paradinha que aqui dei em meu passeio de hoje pela blogosfera e não me consumiu mais que bem pequenina fração das quatro horas que você passou lá e teve a bondade de descrever, permitindo-me assim tomar conhecimento casual. O que quero deixar dito é que gostei, gostei imenso. Do Brasil, meus cumprimentos.

José Luís Reis disse...

Eu também lá estive no dia 1 de Agosto a assistir à notável representação de Platónov. Eu também gostei do que vi. É uma pena não se conseguir ter mais gente a assistir ao teatro de qualidade em Portugal. Façam o favor de continuar a lutar por isso.

Joana Neto disse...

Que texto Inês...De fazer corar aqueles críticos pseudos que pululam alguns jornais... ;)
Sim a "felicidade de uns
é a infelicidade de outros"...Dou por mim a pensar nisso e causa-me uma certa angústia.
Quanto a ser jovem e não ser idealista é uma contradição total.Digamos que é ser um velho num corpo jovem!!