terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Never Nothing From No One

(Em palco estão quatro mulheres, sentadas em cadeiras dispostas assimetricamente; (...) Não há diálogo: as mulheres expõem os seus casos, estão perante o médico, ou amigos, ou autoridades, a quem se confessam e explicam).

Segunda mulher - Como as coisas são. Começam por ser pequeninas, depois crescem, estragam-se... Eu... comigo é a mania que ele tem de limpar os pés no tapete quando entra em casa ... não é nada de especial... é uma coisa que a mãe dele lhe ensinou quando era pequeno, sei lá, ficou-lhe aquela de limpar os pés no capacho antes de entrar em casa. Isto não interessa, não vale nada, não tem importância nenhuma. Mas... eu estou em casa... são sete, sete e um quarto, sete e meia... oiço-o abrir a porta... ponho-me toda a tremer, fico com pele-de-galinha ... "vai limpar os pés no tapete... vai limpar os pés no tapete...", até me encolho toda para não ouvir, mas lá está... raspa, raspa. São dias e dias disto, semanas, meses. Chego a casa cada vez mais tarde. Cada vez me apetece menos ir para casa. Isto é ridículo, mas as coisas são mesmo assim. De resto estamos bem, conversamos e tudo, fazemos a nossa vida sexual normal, gostamos de estar um com o outro. Mas aquilo dos pés... depois, não temos filhos, de maneira que eu tenho mais liberdade para chegar tarde... (Olha para o relógio). Sete e um quarto...

(...)

Segunda mulher - No princípio era tudo bestial, eu gostava muito dele e ele de mim. Talvez ele um bocadinho mais de mim que eu dele, mas isso é normal. E até pensava muitas vezes que tinha uma sorte dos diabos, que tinha um marido que não tinha manias, quando ouvia as desgraçadas das minhas irmãs e das minhas amigas queixarem-se dos maridos delas. Ai, o Manel não gosta de cinema, só de vídeo, de maneira que tenho de ir sozinha, o Fernando detesta dançar e eu adoro, o outro não quer ir de férias porque fica ansioso quando não trabalha, o outro não sei que mais, que inferno! O André, ao menos, come de tudo, não chateia nada, é fácil de se viver com ele. Tudo o que eu lhe ponha à frente está bom, marcha logo, vai a tudo, gosta de pessoas, gosta de sair, é simpático, pronto, não tem as manias que a maior parte dos homens têm. O André não. É só aquilo do capacho e não se pode dizer que seja uma mania. Até é uma coisa bem feita, se eu a conseguisse aturar.

(...)

Segunda mulher (olha para o relógio) - Já deve ter chegado. Meteu a chave à porta, deu um passo dentro de casa, limpou os pézinhos. (Suspira). Uma coisa pequenina mas que sorve as outras todas. O que mais me chateia é que ninguém me avisou que isto podia acontecer. Disseram-me, olha que ele começa a ter amantes, olha que ele começa a beber, a jogar, a dar menos dinheiro para a casa... Tanta coisa que podia acontecer e foi acontecer o que não estava previsto. (Pausa. Falsamente sentenciosa) Já dizia a minha avó: "É muito fácil conquistar um homem, o difícil é mantê-lo!".

1 comentário:

Joana Neto disse...

O que eu me diverti a fazer a segunda mulher...Sim, porque, de facto, é tremendamente irritante a forma como ele limpa os pés no tapete loool