sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

"Viver sempre tambem cansa"

Viver sempre tambem cansa

O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde…
Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.
As árvores dão flores, folhas, frutos e pásssaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.

Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.

[…]Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho, de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
[…]


Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela"

[…]

(José Gomes Ferreira, 1931)

(ln)

2 comentários:

Inês disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Inês disse...

'Se te queres matar, porque não te queres matar?
Ah, aproveita! que eu, que tanto amo a morte e a vida,
Se ousasse matar-me, também me mataria...
Ah, se ousares, ousa!
De que te serve o quadro sucessivo das imagens externas
A que chamamos o mundo?
A cinematografia das horas representadas
Por actores de convenções e poses determinadas,
O circo polícromo do nosso dinamismo sem fim?
De que te serve o teu mundo interior que desconheces?
Talvez, matando-te, o conheças finalmente...
Talvez, acabando, comeces...
E de qualquer forma, se te cansa seres,
Ah, cansa-te nobremente,
E não cantes, como eu, a vida por bebedeira,
Não saúdes como eu a morte em literatura!'