“É tarde já, vão sendo horas – horas de quê? De nada. De existir. De olhar ainda a luz, a vida . De absorver em mim o universo e levá-lo comigo sem nada desperdiçar. De exercer o ouvido enquanto ouve, os olhos, o corpo inteiro para que nada fique dele sem se cumprir. De encher os bolsos de tudo o que se me dá ou sonhar mesmo o que me não deram e não deixar perder nada por distracção. De dizer a palavra vida e tudo nela florir logo na sua existência. (...). A luz, a luz. (...) Não é a luz sumarenta do Outono ou a luz pesada do Verão. É uma luz nítida e ainda fria dos gelos do Inverno. Recorta as coisas pelo seu limite a elas emergem inteiras do seu ser. Essencialidade da vida, é a altura de lavarmos nela as mãos e olhar. Entender aí a nossa relação com elas e sermos nós também na inteireza do que somos. Aprender a ver o mundo na sua estrita realidade sem um ver que nos cegue como o fogo do Verão e a moleza outonal. Aprender o limite do excesso de nós para conhecermos a alegria que nos não cansa ou a melancolia que tem pacto feito com a morte. Existir uma vez ainda no recomeço de existir. E saudar a vida ainda, como se pela primeira vez.“
Vergílio Ferreira (Escrever, 20/314)
LN
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